Estava pensando na vida, seus papéis sociais e constantes variações e cheguei a consideração de como esta sociedade regida por normas e parâmetros de utilidade social nos toma em parte como seres descartáveis. É, em parte ainda sirvo socialmente, em outras, torno-me invisível, desmerecedor de atenção...descartável.
Sim, primeiramente enquanto criança e enquanto filhas(os) somos por vezes privados de liberdade e autonomia, afinal, quando se esta a mercê da “voz da sabedoria” e das condições básicas para a vida (alimentação, roupas, moradia, higiene, lazer) pelo zelo de nossos pais e mães, considere já descartada sua plena independência.
Pobres, desletrados e em condições de vida vulneráveis são descartáveis como trabalhadores, consumistas-mor, cidadãos ou até como pessoa humana. Ao ser examinada(o) por determinada enfermidade em um órgão vital, às vezes, ‘jogam fora’ o resto do meu corpo, fatores psicológicos, emocionais, sociais e ambientais, descartando minha integralidade. Àqueles com transtorno mental foi tirada a total normalidade, transformando uma doença em prisão, transformando uma doença em plena incapacidade. Aos inimigos, descarto-me como amiga; aos amigos, como amante; e, ao amante, como inimiga.
O que o mundo consumista e laboral não vê como útil é descartado a todo momento, desconsiderando, por exemplo, meu direito e livre-arbítrio à vontade de nada fazer, ao ócio e diversão. “Não, pra que isso??”, “Para que incentivar preservação e mostras culturais se seu lucro é simbólico, imaterial?” É descartável...sua subjetividade e interesses pouco interessam...
Porém, por mais que queiram nos lançar e enquadrar em papéis sociais, nos descartar principalmente enquanto sujeitos, também somos recicláveis. Temos a capacidade de aprender e recriar nossa existência dando nova utilidade ao aparentemente descartável. Por mais que no lixo nos coloquem, do lixo a vida é recriada. Reciclamos a mente e usamos a criatividade para sobreviver à dança das exigências sociais. Vivemos num constante movimento de descarte e reciclagem, até que se chegue ao ultimo processo, até que me seja descartada a vida e meu corpo seja reciclado pela natureza...
E assim como as pessoas, pensamentos também são descartáveis e recicláveis, por isso, ao terminar de escrever, e você de ler isto, talvez, talvez reconstruiremos nossas idéias ou, quem sabe, como letras soltas, talvez de nada mais nos valha...
(Suzianne Santos)